Pink Floyd: Animals, um álbum tão relevante hoje quanto era em 1977
- Taylor Goulart
- 31 de jan. de 2017
- 7 min de leitura
Desordem social, calamidade política, desesperança e um fio de otimismo são retratadas no álbum conceitual, influenciado pela obra de Orwell, "A Revolução dos Bichos".

Depois de terem lançado seus 2 álbuns de maior sucesso até então, ‘Dark Side of The Moon’ e ‘Wish You Were Here’, alcançando o pico de popularidade, os britânicos do Pink Floyd lançaram o disco mais arriscado e menos comercial da carreira, 40 anos depois. À época, muitos críticos da música não deram um feedback positivo a ‘Animals’ – Um redator da Rolling Stone tratou o álbum como “apenas um show de luzes tentando emplacar numa soundtrack”. Porém, muitos fãs de Pink Floyd veem'Animals' como um tesouro enterrado que acabou vivendo à sombra de seus clássicos mais comerciais, uma obra-prima que define o gênero do Rock Progressivo.
Animals tem um total de 5 faixas, duas com menos de 90 segundos e três com mais de 10 minutos, o que garantiu pouco ou nenhum tempo de execução em rádios. Além de ser um álbum conceitual que apresenta uma postura de desdém à situação social-política na Inglaterra, ao fim da década de 70, Animals também marca uma pequena transformação no estilo do grupo, se comparado aos primeiros trabalhos.
Animals foi gravado no estúdio da banda, Britannia Row, em Londres, e foi durante essas gravações que uma rixa entre os membros culminaria, três anos depois, na saída do tecladista Richard Wright da banda. Dessa forma, chegou ao fim a formação mais bem-sucedida comercialmente do Pink Floyd, com Roger Waters, David Gilmour, Richard Wright e Nick Mason. Mason e Wright não tiveram um nível de contribuição tão alto quanto nos álbuns anteriores. Gilmour estava distraído com o nascimento de sua primeira filha, e também contribuiu pouco para o nascimento do disco ('Dogs' é a única música em que recebe créditos parciais de composição). Sobre o processo de gravação, Wright relatou:
“Animals foi um porre. Não foi um disco divertido de se gravar, foi quando Waters realmente passou a acreditar que ele era o único escritor da banda. Ele acreditava que a banda estava de pé apenas por causa dele, e obviamente, quando ele passou a desenvolver seus devaneios egocêntricos, a pessoa com que ele teria seus conflitos seria eu.”

Wright e Waters/Foto: Internet
Apesar do que disse Wright sobre a tomada de controle de Waters, seu domínio do aspecto criativo da banda não foi, inicialmente, algo ruim, se visto de certas perspectivas. Foi todo esse episódio que tornou possível o lançamento do 23° álbum mais vendido de todos os tempos, ‘The Wall’, lançado após Animals. Foi esse controle criativo de Waters, que foi o “concedido” durante a gravação de Animals, segundo Gilmour, que possibilitou o surgimento de toda a energia criativa para The Wall, a futura obra-prima.
O início da gravação de Animals se deu, essencialmente, em 1975, quando a banda comprou um bloco de três andares do salão de uma igreja em Islington, Londres. O contrato com a EMI, que afiançava tempo ilimitado no estúdio em troca de uma menor porcentagem do lucro das vendas, tinha expirado, e eles converteram o prédio em um estúdio de gravação e depósito. Sua construção tomou grande parte de 1975, e em abril de 1976, a banda começou a ensaiar e gravar seu décimo álbum de estúdio.
‘Raving and Drooling’ e ‘You’ve Got to Be Crazy’, duas canções que não eram totalmente realizadas conceitualmente mas foram tocadas ao vivo e cogitadas no lançamento prévio, Wish You Were Here, foram retrabalhadas como ‘Sheep’ e ‘Dogs’ em Animals para se encaixarem no conceito, e foram separadas por outra faixa escrita por Waters, ‘Pigs (Three Different Ones’). A música faz referência à vida privada de Waters, incluindo sua então futura esposa, Carolyn Anne Christie.

Waters em turnê de divulgação de Wish You Were Here/Foto: Internet
Conceitual e atual
O conceito de Animals é vagamente baseado na história política “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, onde as letras etiquetam as classes sociais como diversas variedades de animais: os cachorros tiranos, os porcos ditatoriais e insensíveis, e o rebanho “alienado e anestesiado” de ovelhas. A fábula se concentra no Stalinismo, mas o álbum é uma avaliação do capitalismo, onde o rebanho se rebela para derrotar os cachorros. O álbum foi formado a partir de uma seleção de músicas sem ligação, tornando-se uma obra conceitual que demonstra o declínio moral e social da humanidade, algo similar à natureza de barbárie dos animais.
‘Pigs on the Wing Part 1’
‘Pigs on the Wing’ é dividida em duas partes, compreende a primeira e a última música do álbum. Cada parte contrasta com as outras três faixas mais cínicas, e sugestiona que a união pode nos ajudar a superar nossos erros como sociedade.
De acordo com Nick Mason, é uma canção de amor direcionada a Carolyn, esposa de Waters na época. Ela era a única pessoa dentre os amigos de Waters que conseguia manter-se firme numa argumentação com ele. Mason disse que você teria que ser “muito bom em semântica para vencer um argumento contra Waters.” Waters escreveu a música porque era isso tudo o que ele sempre procurou: alguém que podia ser igual a ele.
‘Dogs’
A música foi escrita em 1974 por David Gilmour e Roger Waters, composta pelo próprio Waters, e originalmente intitulada ‘You’ve Got to Be Crazy’. Waters modificou a letra e mudou seu nome para ‘Dogs', encaixando-a na ideia do álbum de associar o comportamento humano com o dos animais. ‘Dogs’ foca no mundo dos negócios destrutivo, cruel e competitivo, e descreve um homem de negócios implacável: “gravata e aperto de mãos firme, um certo olhar e um simples sorriso”, enquanto ele está esperando “para catar a carne fácil... para atacar no momento certo”, esfaqueando seus companheiros pelas costas e tomando vantagem das “ovelhas”, embora versos finais o retratem como “apenas mais um homem velho e triste, solitário e morrendo de câncer”. Outros versos exploram os aspectos negativos da vida dos negócios e a compara com cachorros, “treinados para não cuspirem no ventilador”, perdendo sua individualidade “tomada por grupos treinados”, obedecendo seus superiores “vestidos com colarinho e correntes”, sendo recompensados por bom comportamento “ganhando um tapa nas costas”, trabalhando mais duro do que outros trabalhadores “se destacando na matilha” e podendo conhecer a todos mas passando menos tempo com a família, “apenas um estranho em casa”.
‘Pigs (Three Different Ones)’
Os porcos representam as pessoas que Waters considera aqueles com prosperidade e controle; eles também manipulam o resto da sociedade e os encorajam a serem cruelmente competitivos e impiedosos, o que faz com que os porcos permaneçam no comando. Os três versos definem três diferentes “porcos”, a identidade daqueles que se mantêm incógnitos, embora o terceiro verso identifique a ativista Mary Whitehouse como a terceira “porca”, descrevendo-a como uma “ratazana conservadora”, que teve “manter tudo do lado de dentro”. Em 2016, durante um set de Roger Waters, ‘Pigs’ foi tocada com diversas imagens e frases de Donald Trump sendo projetadas no telão.
‘Sheep’
Uma paródia do Salmo 23 (“O Senhor é meu pastor...”) é pronunciada ao fundo, entretanto, as palavras são alteradas para se ajustarem ao tema da faixa (“Através da reflexão silenciosa e grande dedicação, dominaremos a arte do karatê”, e “Ele me faz parar sob lugares altos em gancho, Ele me converte a costeletas de cordeiro”). Ao fim da música, as ovelhas se rebelam e matam os cachorros, mas voltam às suas casas, como se estivessem esperando por uma nova matilha de cachorros para controlá-las.
‘Pigs on the Wing Part II’
‘Pigs on the Wing Part II’ carrega uma temática de desesperança e segregação que é forçada em direção às ovelhas, consequência das pressões sociais que trabalham a fim de separar as massas, um tema desenvolvido em ‘Dogs’. Waters porta uma temática mais otimista ao fim da música, exemplificando a força e a proteção emocional, consequência da comunhão entre individuais, uma segurança que Waters sentiu ao conhecer sua esposa, Carolyn.
Assim que o disco ficou pronto, iniciou-se o trabalho visual. O grupo de design gráfico Hipgnosis (fundado pelo lendário Storm Thorgerson), que já tinha trabalhado com a banda, apresentou três ideias — numa, uma criança flagrando os pais transando: “Copulando, como animais!”. Entretanto, todos os conceitos foram deixados de lado em favor de um, desenhado por Waters. Na época, Waters viveu perto de uma estação de energia, e uma vista da estrutura foi selecionada para ser capa do álbum. A banda contratou uma companhia alemã, Ballon Fabrik, que construia dirigíveis (Zepellins), e o artista Jeffery Shaw para construir um balão em forma de porco de 12 metros, nomeado Algie. O balão foi inflado com hélio e manuseado até atingir a posição certa. O clima, porém, interferiu no ensaio e o balão acabou sendo perdido, voando livremente sobre o aeroporto de Londres, o que causou o cancelamento de voos. Foi, mais tarde, recuperado por um fazendeiro local, que relatou que “o balão assustou as vacas”. As tentativas perduraram por mais 3 dias, mas a foto que acabou sendo escolhida foi tirada no primeiro dia.
A turnê de divulgação do disco, In The Flesh Tour, começou em Dortmund no mesmo dia em que o álbum foi lançado, com Algie se tornando figura frequente nas performances. Durante a turnê, a relação entre os membros continuou indo por água abaixo. Waters começou a chegar nos shows sozinho, e a ir embora ao fim de cada performance. Em uma ocasião, Wright voou de volta para a Inglaterra, ameaçando deixar a banda, o que se tornou realidade pouco depois. O fim da turnê também foi um ponto baixo para Gilmour, que sentiu que a banda tinha alcançado o sucesso que uma vez almejou, e não havia outro caminho a ser seguido. Na última data da turnê, no Estádio Olímpico de Montreal, alguns fãs entusiasmados perto do palco irritaram Waters de uma forma que fez com que ele cuspisse em um deles. Waters, mais tarde, falou com o produtor Bob Ezrin sobre seu senso de isolamento na turnê, e como ele sentiu como se estivesse construindo uma parede para separá-lo da multidão, o que mais tarde se tornou o conceito de ‘The Wall’.
*Esta é uma adaptação da matéria original, postada no site Alternative Nation. Nossos agradecimentos a Jeremy Neugebauer, que autorizou a versão.
Comments