Resenha: The xx - I See You
- Fabrício Goulart, Taylor Goulart
- 28 de jan. de 2017
- 7 min de leitura
O sentimentalismo das letras e a liberdade musical provinda dos samples de Jamie xx são os destaques do terceiro álbum da banda.

A principal característica na sonoridade que acabou alavancando a carreira dos britânicos do The xx foi, sem dúvidas, o teor minimalista de suas canções. O inesperado sucesso do auto-intitulado, lançado em 2009, colocou faixas como 'Intro' no topo das paradas mundiais. Mais do que um simples álbum de sucesso, 'xx' tornou-se um LP extremamente influente na cena indie, ultrapassando 1 milhão de cópias vendidas e certificando-se como disco de platina no Reino Unido.
Lançado 3 anos depois, 'Coexist' veio com a mesma proposta, mas ainda mais extrema. O som nu, levado pela genialidade - desta vez mais dramática - de Jamie xx, pelos padrões simples - mas cheios de emoção - de guitarra e baixo e pelas letras dialogadas de Romy Madley Croft e Oliver Sim criaram uma obra com uma atmosfera sublime. Vale destacar nesse álbum a riqueza de som adquirida com a fusão do baixo de Oliver com os beats graves de Jamie, e o trabalho estupendo de Romy com um misto de pedais de reverb, dando brilho à simplicidade da guitarra nas canções.
Depois de longos 5 anos de espera por músicas inéditas, The xx prova que ainda tem muito a oferecer. 'I See You' leva o trio para um caminho diferente e ainda mais alternativo, se comparado com seus trabalhos anteriores, alternando com maestria entre músicas dance, house, baladas emocionais e o teor experimental sempre presente nos álbuns da banda.
Após lançar Coexist, em 2012, o trio se viu em um dilema de qual sonoridade deveria seguir, e isso foi o fato que provavelmente fez a banda demorar meia década para divulgar seu novo álbum. As canções do álbum apenas refinavam a sonoridade do excelente disco de estreia, mas não traziam algo novo e a recepção do disco foi morna. O que ninguém esperava era que a solução para a mudança necessária na banda viria de Jamie xx. Em 2015, Jamie lançou seu primeiro álbum solo intitulado 'In Colour' que conseguiu provar o quanto seu potencial musical poderia servir de influência, o que foi o primeiro passo para a nova direção do The xx. Em I See You, o grupo se reinventa com a nova sonoridade moldada por Jamie xx, e isso foi o principal fator que fez com que a espera do disco valesse à pena.

Aos já familiarizados com a sonoridade da banda e da carreira solo de Jamie (que contou com colaborações de Alicia Keys e Drake em 2015), fica evidente a grande influência do DJ nas músicas. Há uma maior variedade de sons e instrumentos nas canções, graças aos samples muito bem encaixados nas melodias cantadas por Romy e Oliver. Seu álbum solo de estreia, 'In Colour' (que também conta com a participação de Romy e Oliver, seus colegas de banda), foi bastante aclamado pela crítica e, ao que parece, o deixou confiante para usar mais elementos da house music britânica de forma mais livre em I See You.
Quanto à temática, a pura melancolia amorosa foi, de certa forma, deixada de lado. Embora o amor continue sendo o principal tópico, há uma variação de assuntos, flutuando entre autocrítica e desilusões, entre medo e hedonismo. A sinergia presente nas inigualáveis vozes de Romy e Oliver é mais forte do que nunca. Romy domina canções como Brave for You, Oliver lidera outras como A Violent Noise, e suas vozes se completam de uma forma em que não é possível imaginá-las separadas. Jamie traz samples que casam com o baixo de Oliver e são como o galho perfeito onde as mínimas intervenções da guitarra de Romy pousam. Jamie cria a atmosfera, mas de forma alguma desfaz o brilho da dupla de frente.

'Dangerous' abre os trabalhos do novo disco e faz jus ao nome: perigosa. A música inicia de forma inusitada para os "padrões The xx", com uma pegajosa melodia com instrumentos de sopro, que segue pela música em momentos-chave. É, talvez, a faixa mais dançante do álbum, com uma bassline que se destaca e o já conhecido estilo de Jamie xx, criando uma atmosfera que se encaixa na temática franca da música.
Em 'Say Something Loving', Jamie usa um sample de Do You Feel It (1976), dos Alessi Brothers. Liricamente, a música fala de um amor não muito correspondido, ou uma paixão já enfraquecida. O sample completa a letra, com o verso "[...] Before it slips away", expondo o medo e a insegurança da relação. Vale destacar o trabalho de Romy, com riffs reverberados que encaixam na levada quase downtempo da música.
"Just your love / Just your shadow / Just your voice / And my soul". 'Lips' é, sem dúvida alguma, a canção mais sensual do disco. A letra é pura, sincera, direta. Acompanhados do sample de Just, de David Lang, Romy e Oliver cantam nada mais do que o desejo. Em Lips, desejo é o termo-chave. Jamie trabalhou numa levada lenta e ao mesmo tempo dançante, que pode despertar as mais ávidas fantasias do ouvinte.

Oliver Sim brilha em 'A Violent Noise', onde canta sobre seu vício em álcool, e a forma com que isso influencia em suas relações amorosas e familiares. A música foi uma das primeiras composições do disco, escrita durante uma turnê do álbum Coexist, e Oliver diz que a letra, de certa forma, fala sobre o seu início na luta contra o álcool. "Eu estava num ponto em que eu ainda lutava comigo mesmo, me fazia acreditar que ainda estava bebendo de forma triunfante. Era mais ou menos a ideia de 'ainda estou celebrando ou estou escapando?'".'A Violent Noise' é, de fato, o auge da potência vocal e lírica de Oliver Sim.

Se já tivemos o ápice de Oliver, 'Performance' é o ponto mais alto de Romy Madley Croft - como foi Shelter em 'xx' e Angels em 'Coexist'. Em uma interpretação extremamente pessoal, acompanhada apenas por cordas (e um som aflito de violino ao final), Romy conta como aparenta estar bem, mas na verdade está completamente quebrada por dentro enquanto parte, sem ser notada. Numa verdadeira performance, faz de tudo para ser percebida pela sua companhia, mas ainda assim, não consegue. E parte, parte sem rumo. "When you saw me leaving / Did you think I had a place to go?"
'Replica' possui um riff marcante desde o seu começo, sobreposto por um beat grave e um conjunto de elementos secundários que dão um tom mais quente à canção, quase que tropical. Na letra, entretanto, frieza. A dupla canta sobre não querer cometer os mesmos erros que seus pais, tornando-se suas réplicas. Há alguma peculiaridade no conjunto da obra dessa faixa que pode lembrar as músicas do primeiro álbum.
Em 'Brave For You' é possível ouvir o velho The xx, simples e minimalista - sem perder a criatividade das faixas anteriores. O brilho e domínio vocal ficam por conta de Romy novamente. Além de remeter a algumas nostalgias em sua sonoridade, 'Brave For You' resgata o sentimentalismo amoroso em versos como: ''So I will be brave for you / Stand on a stage for you / Do the things that I'm afraid to do'', que narram uma bela prova de amor.
'On Hold' foi o primeiro single do disco, mas de forma alguma serviu de generalizador da sonoridade de I See You, álbum incrivelmente amplo e variado. Em 'On Hold', ninguém é destaque: Romy tem seu espaço, iniciando a música, Oliver também tem seus versos, conferindo profundidade com seu vocal grave, Jamie cria diferentes camadas de som com diversos elementos e samples (destaque para o sample de Hall & Oates). Pelas similaridades, 'On Hold' entraria facilmente no disco 'In Colour', de Jamie xx.
'I Dare You', a segunda faixa liberada (apresentada ao vivo no Saturday Night Live), segue uma temática semelhante a de On Hold, ambas tendo uma certa ligação lírica. Instrumentalmente, é uma música mais upbeat, acompanhada por uma letra passional. "I get chills / Heart's rate multiplies / I'm on a different kind of high / A rush of blood is not enough / I need my feelings set on fire."
'Test Me' marca o encerramento do disco como a mais experimental da obra. O piano que acompanha os primeiros versos cantados por Romy marca o início do final de um álbum em que a banda saiu de sua zona de conforto, mas ainda assim conseguiu manter a qualidade sonora (ou até superar) em seu terceiro trabalho.
As duas faixas bônus vêm para acrescentar ainda mais ao som da banda. 'Naive' é delicada, Oliver demonstra toda sua honestidade em relação ao vício em álcool, com Jamie xx sampleando 'Doing It Wrong', de Drake. Em 'Seasons Run', uma linda fusão entre emoções e o tempo: em más situações, devemos apenas esperar o sol aparecer ou devemos ter coragem para enfrentar?

De modo geral, pode-se dizer que o terceiro trabalho dos britânicos foi um sucesso. A dificuldade de criar um álbum tão influente quanto o primeiro, 'xx', é evidente, mas o trio conseguiu desenvolver um álbum no mesmo patamar. Musicalmente, houve uma aparente mudança no conjunto da obra, levando em conta a maior liberdade musical que teve o DJ Jamie xx, abrindo alas para composições e arranjos mais arrojados e deixando um pouco de lado a completa inocência e miudez das antigas faixas.
I See You é um disco que é digerido aos poucos, e no momento em que realmente o apreendemos, nos vemos presos numa atmosfera admirável. Nos vemos imersos em um mundo de paixões correspondidas, mas imperfeitas; em um mundo de ex-paixões, que deixam um rastro de emoção por onde caminham; em um mundo de vícios e de como eles afrouxam os mais fortes laços; em um mundo de inquietações e incertezas, que desestabilizam os mais sólidos sentimentos. I See You é o amadurecimento de uma banda que, com poucos anos de estrada, já revelou todo o potencial que possui para escrever o tipo de música que cativa de forma empática os mais variados estados da alma.

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